05 abril, 2013

O BULLYING NO ÂMBITO ESCOLAR: SUAS CONSEQUÊNCIAS E MEDIDAS PREVENTIVAS



O BULLYING NO ÂMBITO ESCOLAR: SUAS CONSEQUÊNCIAS E MEDIDAS PREVENTIVAS[1]

Andressa Carla de Oliveira
Pedagoga pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR-Campus Paranavaí)
Elias Canuto Brandão
Doutor em Sociologia. Membro do Colegiado de Pedagogia da UNESPAR-Campus Paranavaí; Pesquisador CNPq em Políticas Públicas de Educação do Campo


RESUMO
O presente artigo estuda o bullying no contexto escolar, compreendendo suas consequências, analisando o que o mesmo pode trazer de negativo na vida social, nos relacionamentos e na aprendizagem dos alunos que sofrem esta forma de violência. O estudo foi sustentado em pesquisa bibliográfica, buscando apontar caminhos para a construção da chamada cultura antibullying, a fim de contribuir com a formação docente para que se tornem mais atentos no diagnóstico e prevenção de possíveis agressões em sala de aula e fora dela. O tema é de preocupação no contexto escolar brasileiro e de outros países o que justifica conhecê-lo e se aprofundar sobre a questão ser uma forma de contribuir para sua prevenção.
Palavras-chave: Violência escolar. Bullying. Formação docente.


1  INTRODUÇÃO

Por séculos o bullying ocorreu no cenário escolar sendo considerado algo natural e, portanto, ignorado pelas instituições de ensino. Atualmente, em parte como resultado gerado pela repercussão na mídia, os atos agressivos entre estudantes ficaram conhecidos e tornaram-se tema de estudos entre educadores, psicólogos e psiquiatras como diferentes formas de violência velada, intencional e repetitiva praticada por crianças e adolescentes no espaço escolar. Enquanto violência, o bullying tem causado sérios danos à vida dos envolvidos, atingindo dimensões cada vez maiores e complexas, tendo visto que o praticante direciona seu ataque a uma pessoa determinada e de forma constante, levando-o a se autoexcluir do meio social onde está inserido, gerando traumas irreparáveis na vida do indivíduo.
Por se tratar de um assunto complexo, nossa preocupação é contribuir com esclarecimentos que possibilitem ações conjuntas diante do enfrentamento desta problemática. Como o bullying acaba se evidenciando geralmente dentro da escola, ela necessita do apoio de todos para solucioná-lo, envolvendo as famílias, os alunos e toda a comunidade em geral.
Para tanto, o presente artigo analisa o bullying no contexto escolar, visando contribuir na formação docente para orientação dos educandos no que tange aos prejuízos sociais e educacionais com a prática desta violência.
Estudos indicaram que a prática do bullying entre os estudantes, quando praticado na escola e, sendo detectado pelos educadores, pode ser trabalhado pedagogicamente em tempo hábil, resultando em possíveis soluções pela equipe escolar. O problema é que várias situações acabam escapando do controle das escolas, necessitando do apoio da família e de especialistas, como psicólogos.
A prática do bullying, apesar de histórica, expandiu-se com a organização da sociedade capitalista, alterando as relações afetivas, expondo os indivíduos a uma relação de competição no nível social, no trabalho e escola, afetando diretamente dois núcleos: familiar e escolar. O fato de os pais passarem boa parte do seu tempo trabalhando, ausentando-se do desenvolvimento de seus filhos, gera reflexo no comportamento das crianças e adolescentes na família e na escola, alcançando a carência de limites, tornando-as agressivas e violentas. Trata-se da necessidade que o indivíduo tem de se impor sobre o outro, tanto para demonstração de poder quanto para satisfação pessoal. Sobre esta questão, elencamos no final deste estudo, possíveis contribuições que visam a prevenção por meio de alternativas que escola e família possam colocar em prática, possibilitando o enfrentamento do problema.
            Para facilitar a compreensão do estudo, utilizamos a metodologia dialética para compreender a realidade histórica e cultural dos indivíduos quando envolvidos em atos violentos, pois, segundo Guareschi e Silva,

Ao tratar de bullying, é importante considerar ainda uma questão fundamental: o contexto, isto é, o quanto a cultura em que os jovens estão imersos pode influenciar no modo com que lidam com problemas e pessoas [...]. Muitos alunos envolvidos no bullying receberam influência cultural que eliminava opções que não envolvessem violência na resolução de problemas do dia-a-dia. (2008, p. 55).

Um olhar atento sobre o bullying leva-nos a perceber que as experiências vivenciadas pelo aluno em seu meio e na sua comunidade podem repercutir por meio de seus atos na escola, visto ser esta o espaço de maior concentração de pessoas em idade semelhante e de procedências culturais e ideológicas diferentes.  Diante disto, faz-se necessário promover o diálogo, a solidariedade e a tolerância frente às diferenças, incentivando a paz não apenas na escola, mas principalmente no ambiente familiar, uma vez que aí estão os pilares que moldam e consolidam os primeiros conceitos de respeito, moralidade e ética no indivíduo.
Várias teorias como de Cléo Fante, Éric Debarbieux entre outros citados neste trabalho, nos dão suporte para conhecermos o fenômeno bullying, apesar de não existir grandes obras que tratem da questão nas escolas e sociedade. Daí a importância de discutir a temática para contribuir com a preparação dos educadores no seu enfrentamento, possibilitando-os ir além da violência em si, tendo visto que a prática do bullying pode envolver questões culturais, econômicas e políticas, refletindo efetivamente na educação.


2  O BULLYING NA ESCOLA E SUA DEFINIÇÃO

Pessoas que convivem ou que trabalham com crianças e adolescentes diariamente   cia ou mesma.iolzar em relaçãosabem que a prática de “perversões” ou atitudes de provocações e brigas entre eles são corriqueiras. E quem nunca praticou? Na escola, devido à convivência com diferentes crianças e adolescentes da mesma idade, essa realidade é frequente. As crianças praticam brincadeiras de “mau gosto” e ofensivas consideradas por elas como “normal”.
Aos olhos dos adultos, as crianças não têm limites. Mas num olhar atento, de educador, constata-se ter. Falta preparo dos educadores para lidar com a situação. E o preparo deve começar na Universidade que, nesta matéria, também está despreparada para a formação dos educadores. Neste complexo, presencia-se a postagem de apelidos e “sarros” das imperfeições físicas ou da situação econômica que o outro possui, dentre outras formas de ataques pejorativos. O problema e preocupação dos educadores é que as “brincadeiras” estão sendo praticadas de maneiras graves e frequentes, por meio de agressões verbais, físicas e psicológicas discriminatórias.
Dessa forma é importante compreender a violência social nas escolas historicamente, analisando a partir do crescente número de comportamentos agressivos entre os estudantes, sobretudo com a expansão da revolução industrial e comercial, da tecnologia e da mídia.
No bojo da violência social, o certo é que o bullying causa prejuízos a quem o sofre. Segundo Michaelis apud Camargo e Costa (2010), a palavra bully de origem inglesa, significa indivíduo “brigão”, “fanfarrão”, “tirano”. Utilizada do verbo bullying, possui o significado de ameaçar, amedrontar ou maltratar, onde o indivíduo protagonista submete o outro a situações de humilhação por meio de ameaças físicas, emocionais, cognitivas ou sociais, de forma repetitiva sobre um mesmo indivíduo.
Como ferramenta protetora de quem sofre vexames como o bullying, existe no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), documento que estabelece direitos e deveres às crianças e adolescentes. O artigo 17 prescreve que

O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integração física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação de imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. (BRASIL, 1990, s/p)

Na continuidade do resguardo do direito, o artigo 18 preceitua ser “dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (Ibidem).
O bullying confronta-se com o ECA, pois se manifesta através de agressões verbais, físicas, morais, materiais e psicológicas de maneira intencional e repetida, sem uma motivação específica.
A Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), citado por Neto (2012), realizou uma pesquisa em 2002 com patrocínio da PETROBRAS em onze escolas do município do Rio de Janeiro, envolvendo 5.875 estudantes de 5º e 8º séries, para verificar o índice de estudantes envolvidos com o bullying. Os dados indicaram que 40,5% desses alunos estiveram diretamente envolvidos em atos de bullying na escola naquele ano, sendo que do total, 16,9% eram naquele momento alvos da violência, 10,9% foram alvos/autores e 12,7% foram autores direto de bullying. Na prática, o estudo adverte que enquanto a sociedade se organiza para lutar pela proteção legal das crianças e adolescentes, o que é um direito intransferível, o interior da escola tem sido palco de violência de todas as formas contra os mesmos e que o Estado, enquanto protetor dos direitos sociais, políticos, econômicos, culturais e civis, não dá a devida atenção e amparo, sendo conivente com as diferentes formas de violência, podendo ser penalizado.


3  OS PERSONAGENS DO BULLYING E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Existem três personagens nesse tipo de violência: o agressor, a vítima e o expectador. De acordo com Silva (2010), as vítimas do bullying, em geral, fogem do padrão imposto por um determinado grupo de alunos, sendo pelo seu caráter físico, (altura, peso, imperfeições físicas), raciais, culturais, regionais, geralmente são inseguras, e possuem dificuldades de se expressar em grupo e na coletividade. A ausência dos atributos trabalhados por Silva pode ser fundamentado na agressividade e na falta de limites.
Os atingidos não conseguem reagir aos ataques e as agressões, tornando-se alvos mais fáceis de coagir. Como consequência, ficam vulneráveis a doenças decorrentes das provocações, ameaças e perseguições, podendo desenvolver transtornos do pânico, ataques de ansiedade, angústia, depressão, anorexia, bulimia, fobia escolar e outros problemas de socialização, podendo levar o indivíduo ao suicídio, homicídio ou, como forma de compensação dos maus tratos sofridos, reproduzirem a violência contra outras crianças ou adolescentes quando não tratados em tempo hábil.
O provocado ainda corre risco de, caso as perseguições não sejam identificadas e tratadas a tempo, tornar-se um adulto reprodutor dos atos de bullying em seus relacionamentos pessoais na sociedade ou escola, no mercado de trabalho ou ambiente familiar.
Silva (2010) aponta que os praticantes podem agir só ou em grupo, provocando a violência com o intuito de obter imagem pessoal única, passando-se por “fortão” ou “valentão”, tendo a sensação de estar popular, demonstrando em sua personalidade traços de desrespeito e maldade. Para a autora, o agressor pode ter origem social em lares desestruturados e pode ser uma pessoa que não recebeu a atenção devida quando necessitava, não conseguindo transformar sua raiva em diálogo.
Destaca a autora que nestes acontecimentos os personagens expectadores são partícipes da situação ao não intervir para evitar as agressões. Podem não participar diretamente do conflito, mas são fundamentais para a continuidade do ato, pois testemunham as agressões e não defendem o agredido, nem se juntam aos agressores.
A autora coloca ainda que nestes acontecimentos os personagens expectadores são partícipes da situação ao não intervir para evitar as agressões. Podem não participar diretamente do conflito, mas são fundamentais para a continuidade do ato, pois testemunham as agressões e não defendem o agredido, nem se juntam aos agressores.
A conivência dos expectadores tem duas possibilidades. Uma é medo de se tornarem a próxima vítima do agressor, omitindo-se diante das agressões. A outra é de atuarem como platéia, reforçando a agressão, rindo ou usando palavras de incentivo ao agressor, prejudicando psicologicamente o agressor e o agredido.
            Destaca Silva (2010) que com a ocorrência desse tipo de violência na escola, o desenvolvimento sócio-educacional é prejudicado e as crianças podem se tornar inseguras e tendo medo de serem as próximas vítimas, podendo influenciar nas suas relações futuras, tornando-se adultos inseguros, visto que nem a escola tem sido local seguro, saudável e solidário devido às diferentes formas de violência.
            Vale lembrar que qualquer tipo de violência e, sobretudo o bullying mediante suas características e peculiaridades, resultam em consequências e danos gravíssimos para a vida social, emocional, afetiva e profissional de quem pratica ou sofre e, tanto para a vítima, agressor e expectadores, as consequências são graves e negativas, podendo ser trágica. Um texto produzido por Sidneya (2009), do Colégio Impacto, demonstra o que estamos pontuando. Diz a missiva.

As conseqüências afetam a todos, mas a vítima, [...] é a mais prejudicada, pois poderá sofrer os efeitos do seu sofrimento silencioso por boa parte de sua vida. Desenvolve ou reforça atitude de insegurança e dificuldade relacional, tornando-se uma pessoa apática, retraída, indefesa aos ataques externos.
Muitas vezes, mesmo na vida adulta, é centro de gozações entre colegas de trabalho ou familiares. Apresenta um autoconceito de menos-valia e considera-se inútil, descartável. Pode desencadear um quadro de neuroses, como a fobia social e, em casos mais graves, psicoses que, a depender da intensidade dos maus-tratos sofridos, tendem à depressão, ao suicídio e ao homicídio seguido ou não de suicídio. Em relação ao agressor, reproduz em suas futuras relações, o modelo que sempre lhe trouxe “resultados”: o do mando-obediência pela força e agressão. É fechado à afetividade e tende à delinqüência e à criminalidade. Isso, de certa maneira, afeta toda a sociedade. Seja como agressor, como vítima, ou até espectador, tais ações marcam, deixam cicatrizes imperceptíveis em curto prazo. Dependendo do nível e intensidade da experiência, causam frustrações e comportamentos desajustados gerando, até mesmo, atitudes sociopatas. (SIDNEYA, 2009, s/p).


O bullying é sério, porém não é e nem pode ser considerado um fenômeno fora das possibilidades e controle. Na maioria das vezes falta vontade política e disposição por parte dos gestores educacionais em encarar a problemática. Encarando, há possibilidade para reversão.
Enfim, é necessário conscientizar o agressor sobre as consequências do que faz, fazendo com que se coloque no lugar do agredido, mostrando a ele e à vítima que não estão sozinhos e que com ajuda dos educadores, pais, psicólogos e outros especialistas é possível alterar o comportamento agressivo.


4  O PAPEL DA ESCOLA E DA FAMÍLIA

O bullying na contemporaneidade expande-se velozmente, tornando-se mais conhecido pelos debates e reportagens realizados pela mídia, como a divulgação do massacre de Realengo no ano de 2011, no Rio de Janeiro, quando o jovem Wellington Menezes de Oliveira, entrou armado na escola onde estudou por anos, atirando contra todos, resultando na morte de 12 estudantes. O bullying, naquela situação em específico pode ter motivado o atirador.
Casos como este, são divulgados pela mídia, devendo assim receber uma atenção especial por toda a sociedade, para que situações semelhantes não ocorram noutras partes do país, ganhando espaço e notoriedade negativa na mídia, muito mais que ações de conscientização.
As informações, mesmo que distorcidas ou carregadas de sensacionalismo, ganham força com o contributo da mídia, sobretudo televisiva. Por outro lado, desenhos, reportagens, filmes, jogos de vídeo-games e seriados induzem, mesmo que indiretamente, crianças e adolescentes a reproduzirem na escola determinados conteúdos televisivos, resultando em agressões físicas, psicológicas e verbais. Intencional ou não, a mídia induz as crianças a imaginar que tudo pode ser resolvido através da violência e, direta ou indiretamente, colabora com a agravação do bullying nas escolas. Cabe ao Estado, por meio da instituição escola – apesar de não ser sua função e responsabilidade principal, mas infelizmente ela não pode ficar alheia a esta situação – e aos pais conscientizarem as crianças e adolescentes que os conflitos não devem ser reproduzidos e resolvidos através de atitudes violentas, do tipo “te pego na saída” ou do “me aguarde na saída”, mas sim por meio do diálogo e da convivência salutar.
Um possível caminho para solucionar e/ou prevenção do bullying, é reunir a equipe pedagógica, funcionários, pais e alunos das instituições de ensino no levantamento de situações e meios para combatê-lo com leituras, palestras, teatros ou reportagens, pois a instituição não pode se esquivar diante dos conflitos, ainda mais quando o bullying ocorre nos espaços internos da instituição educativa.

A responsabilidade da instituição se justifica, pela falha na vigilância dos menores, enquanto que a dos responsáveis se dá em razão de sua inoperância e mesmo omissão quanto à importante parcela de responsabilidade que lhes cabe na educação dos seus filhos. (LEITE, 2011, p. 71).

Assim, as instituições devem ficar atentas a tudo que ocorre em seu interior, a exemplo de relacionamento entre os estudantes: brigas, drogas, olhar diferenciado, silêncio exagerado, entre outros. Já os pais devem ficar atentos quanto à mudança de comportamento de seus filhos.
Segundo Almeida (2012), os pais só percebem que a criança está sofrendo algum tipo de agressão, quando aparecem com marcas pelo corpo. Somente a partir da agressão os pais procuram a escola para saber o que está acontecendo  – talvez tarde demais. Descreve que as crianças quando agredidas aparecem com vários sintomas diferentes de seu normal, chorando excessivamente, recusando-se a ir à escola, queda no rendimento escolar, isolamento, entre outros.
As queixas e alterações de comportamentos podem indicar anormalidades que não devem passar despercebidas, pois podem estar passando por situações conturbadoras, não conseguindo falar sobre o que está acontecendo devido às ameaças realizadas pelos agressores.
Observações semelhantes devem ser acompanhadas junto ao agressor, seja no convívio do agressor com sua família e sociedade, seja na escola, pois a relação convívio e comportamentos podem influenciar nas suas atitudes. As observações podem evitar que os agressores se revoltem e reproduza os atos contra outros.

[...] as famílias podem ajudar a manter seus filhos afastados da violência, podem, também, socializá-los para ela. Pais violentos podem estar contribuindo para tornar violentos os seus filhos. Se a violência familiar pode, de alguma forma, agravar os efeitos da violência urbana sobre as crianças e jovens, é possível que ele produz consequências muito significativas e imediatas sobre a vida escolar [...]. (CANDAU; LUCINDA; NASCIMENTO, 1999, p. 62).

A ausência de limites ou a falta de diálogo com os filhos, os pais acabam deixando de lado a educação dos mesmos, contribuindo para o distúrbio comportamental e os pais, em situações como estas, podem ser responsabilizados pelos atos dos filhos na escola e na sociedade.
Neste sentido, o acompanhamento permanente da família sobre seus filhos na rua, na escola e em ambientes coletivos contribuirá para comportamentos saudáveis e formação da personalidade. E, neste viés, tratando-se da família, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4°, prescreve:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público essegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O Estatuto deixa claro caber primeiramente à família o dever de zelar pela formação biopsicológica dos filhos, assim como é dever possibilitar o melhor na sua educação, acompanhando seu desenvolvimento.


5  ESTRATÉGIAS E MECANISMOS DE PREVENÇÃO

De acordo com Santomauro (2010), algumas ações contra o bullying e outras formas de violência nos espaços educacionais podem ser realizadas pela direção das escolas, a exemplo de medidas de prevenção, visando solucionar esta problemática. Dentre as medidas podemos citar:
·         A promoção de atividades que garanta o bom relacionamento entre os estudantes, como ensinar a olhar para o outro, visando tolerar as diferenças individuais de cada um;
·         Reunir os alunos para falarem e desabafarem sobre seus descontentamentos, visando à formação de um ambiente equilibrado;
·         A equipe pedagógica e diretores devem dar o exemplo e não agirem com agressividade e autoritarismo nas salas ou contra os colegas de trabalho, pois os alunos os vêem como modelo;
·         Realizar discussões e levantamento de normas sociais e educacionais entre alunos e educadores;
·         Pensar o envolvimento do conjunto da escola: agentes, direção, professores, funcionários, alunos e familiares e, juntos encontrarem formas de identificação do bullying e possibilidades de sua exclusão;
·         Realizar sondagem do bullying por questionários anônimos, verificando o relacionamento dos alunos na escola, identificando possíveis agressões e buscando contribuições de pistas para possíveis soluções.

Debarbieux (2011, p. 26), analisa que “a violência nas escolas só pode ser enfrentada se tratada com profundidade, com formação docente específica, incentivo à solidariedade e aumento da proximidade entre professores e alunos”.
A ABRAPIA, citada ainda por Neto (2012), coloca algumas outras orientações para os diretores, coordenadores e professores visando reduzir o índice de bullying nas escolas. Para a Associação, é importante desde o primeiro dia de aula falar com os alunos que não será tolerado práticas de bullying na instituição, fazendo com que todos se comprometam em evitá-lo, não praticando violência e avisando a direção caso percebam indícios de ocorrência.
Defende-se ainda a promoção de debates e projetos que tratem sobre o tema bullying nas salas de aula, divulgando e fazendo que seja assimilado por todos. Aconselha-se a entidade, quando ocorrer alguma situação de bullying, a procurar lidar com o mesmo de forma direta, investigando e analisando os fatos, conversando com os envolvidos, chamando sempre os pais ou responsáveis pela criança ou adolescente para que tomem ciência e consciência do ocorrido, levando-os a participar junto com a escola na busca de soluções. Para Nogueira (2005),

Quando identificados um autor e uma vítima, ambos devem ser orientados. Seus pais devem ser alertados e estar cientes que seus filhos, agressor ou agredido, precisam de ajuda especializada. O comportamento dos pais diante deste comunicado é muito importante: não se deve cobrar o revide, nem intimidar ou agredir. Este é um momento de aprendizado para todos, e mostrar como se controlar, manter a calma e evitar comportamentos de violência é imprescindível. (NOGUEIRA, 2005, p. 9).

            Um erro constante dos pais que tomam conhecimento de filhos que sofrem violência é instigá-los à réplica com frases como “você não é homem não?” ou “seja homem, pegue-o da próxima vez”, significando incentivo à violência e despreparo enquanto pais ao provocar o contra-ataque, sendo importante a escola identificar e entender quem são os pais dos educandos, desenvolvendo ações de conscientização.
A ABRAPIA defende como necessária a formação de professores preparados para intervir em situações de bullying e outros tipos de violência, possibilitando conhecerem os meios de apoio e encaminhamentos para medidas legais e soluções às situações de agressões, caso o diálogo com os envolvidos não tenha êxito. É preciso formar alunos conhecedores do que é bullying e dos prejuízos que o mesmo resulta, promovendo ações antibullying, conscientizando-os dos danos, exaltando o respeito às diferenças, a solidariedade e proporcionando relações saudáveis entre professor-aluno, aluno-aluno, aluno-comunidade.
Sobre esta temática, Guareschi e Silva (2008) defendem que,

A escola deve priorizar a conscientização geral de seus alunos e estimulá-los ao engajamento em projetos antibullying. Deve-se encorajar os alunos a participar de intervenções que promovam a supressão de atos que caracterizam o bullying para, desse modo, mostrar aos autores que eles não terão seu apoio, nem sua omissão. (2008, p. 77).

Assim, combater o bullying é uma tarefa permanente de educadores, pais e sociedade em geral, conscientes de que não é de uma hora para outra que este problema seja solucionado e que há dificuldades para alcançar êxitos no seu combate, pois se trata de um fenômeno complexo, sendo necessário o envolvimento de educadores e pais, mesmo quando estes alegam falta de tempo no acompanhamento da formação sócio-biológica dos filhos.
É necessário promover orientações, uma conscientização de forma geral e, sempre estar discutindo a respeito do bullying nas escolas, nos lares e ambientes de trabalho, para evitar que o fenômeno seja reproduzido na vida adulta, gerando um círculo vicioso.





6     CONCLUSÃO

Até a pouco o bullying se apresentou de forma natural e camuflada em nossas escolas. Com o crescente número de ações violentas no interior das mesmas, houve a necessidade de se investigar tal prática, analisando como ela se manifesta na sociedade e na escola, conhecendo suas características e seus personagens e ainda os fatores que favorecem sua ocorrência no âmbito escolar.
O bullying é um tipo de violência, apresentando-se em forma de agressões físicas, verbais, psicológicas contra o outro, geralmente sobre uma mesma pessoa, de maneira repetitiva, trazendo consequências graves e negativas na vida dos envolvidos, a exemplo do desenvolvimento de doenças decorrentes dessa prática, chegando a levar o atingido a um estado crítico e trágico, como a opção pelo suicídio ou assassinatos, bem como a reprodução dos atos sofridos na idade infanto-juvenil, prejudicando as relações afetivas e sociais.
O bullying não pode ser visto como um fenômeno natural. É uma questão social e, portanto de gestão e responsabilidade do Estado.
Assim, faz-se necessário uma conscientização sobre essa problemática, envolvendo a família, a escola e o Estado, para que juntos promovam ações para seu enfrentamento, obtendo soluções de curto, médio e longo prazo, pois suas causas estão no modelo de sociedade que vivemos, provocando círculos viciosos entre as crianças, adolescentes e jovens.
É na escola que os sinais de bullying mais se manifestam e podem ser trabalhados, uma vez que é o espaço de aglomeração e diversidade. Destacamos que esta forma de violência é decorrente da maneira com que nossa sociedade está organizada, de suas relações individualistas, excludentes e competitivas, onde as pessoas na maioria das vezes só pensam em si e na satisfação de suas próprias necessidades, deixando de lado todo o vínculo afetivo, de fraternidade, amor ao próximo e intolerância às diferenças, sentindo-se superiores às demais pessoas, resultando em disputa de poder entre os indivíduos, refletindo na família, no trabalho e na escola.
Por fim, espera-se que este estudo contribua como ferramenta para a diminuição das práticas de bullying dentro e fora do ambiente escolar, e que as ações preventivas de resgate e socialização dos envolvidos configurem-se em parte da agenda do Estado e das instituições de ensino.


7 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Fernanda. O que é bullying sintomas e tratamento. Disponível em: <http://www.hiperativo.com/o-que-e-bullying-sintomas-e-tratamento/>. Acesso em: 14 ago. 2012.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 06 set. 2012.

CAMARGO, Janira S. e COSTA, Leila P. O papel do professor frente ao bullying. In: Saberes e sabores da educação. SILVA, Henrique M. CELÒRIO, José A. SILVA, Márcia C. A. (Org.). Maringá: Eduem, 2010.

CANDAU, Vera Maria. LUCINDA, Maria da C. NASCIMENTO, Maria das G. Escola e Violência. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

DERBABIEUX, Eric. Ações contra o bullying. In: Nova Escola. Abril, n. 248, p.26-28, dez. 2011.

GUARESCHI, Pedrinho A. e SILVA, Michele R. (Coord.). Bullying: mais sério do que se imagina. Porto Alegre: Edipucrs, 2008.

LEITE, Ivana. Responsabilidade pela violência infantojuvenil. In: Visão Jurídica. Escala, n. 56, p. 68-75, 1 sem. 2011.

NETO, Aramis A. L. FILHO, Lauro M. SAAVEDRA, Lucia H. (org.). Programa de redução do comportamento agressivo entre estudantes. Disponível em: . Acesso em: 24 de julho de 2012.

NOGUEIRA, Rosana M. C. P. A. A prática de violência entre pares: o bullying nas escolas. Revista Iberoamericana de Educación, nº 37, 2005, pp. 93-102. Disponivel em: <http://www.rieoei.org/rie37a04.pdf> Acesso em: 10 ago. 2012.

SANTOMAURO, Beatriz. Violência Virtual. Nova Escola. Abril, n. 233, p. 66-73, jun/jul. 2010.

SIDNEYA. BULLYING: Quais as conseqüências? Maio de 2009. Disponível em: <http://www.colegioimpactofloriano.com.br/site/noticias/2-ultimas/16-bullying-quais-as-consequencias.pdf>. Acesso em: 07 out. 2012.

SILVA, Ana B. B. Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas. 1. ed. Rio de Janeiro: Fontanar, 2010.




[1] Trabalho de Conclusão do Curso de Pedagogia, defendido em novembro de 2012 perante a banca examinadora constituída pelos professores Dr. Elias Canuto Brandão (orientador), mestre Maria Simone Jacomini Novak e mestre Edinéia Fátima Navarro Chilante. Está em revisão para publicação em Revista Científica.

01 março, 2010

Carta da 4ª Conferência de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará


Nos dias 28 a 30 de maio aconteceu, em Xinguara, a 4ª Conferência de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará com o tema “Educação do Campo: Juventude, Profissionalização e Projetos de Vida”. O evento reuniu aproximadamente 250 pessoas e foi organizado pelo Fórum Regional de Educação do Campo, apoiado pelo Campus Rural de Marabá e outras instituições. O Prof. Antônio Cardoso, Diretor Geral do Campus, participou da mesa de debate "Profissionalização e Juventude do Campo". O documento final da conferência, a Carta de Xinguara, constitui-se no documento de referência para a luta e ações do movimento de educação do campo na região nos próximos dois anos.

4ª CONFERÊNCIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO REGIÃO SUL E SUDESTE DO PARÁ


Nós, jovens camponeses/as, educadores/as, militantes de movimentos sociais do campo e demais atores e instituições públicas, reunidos em Xinguara, na 4ª CONFERÊNCIA REGIONAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO, de 28 a 30 de maio de 2009, com o tema “Educação do Campo: Juventude, Profissionalização e Projetos de Vida” discutimos sobre as necessidades e demandas de políticas públicas da juventude do campo do sul e sudeste do Pará, especialmente nos processos que articulam educação, trabalho e profissionalização. A conferência caracterizou-se como um espaço de diálogo, reflexão, troca de experiências e de construção de propostas que pautarão nossa luta para comprometer o Estado na organização e efetivação de uma política pública de Educação do Campo na região.  Após estes dias de trabalho coletivo, reafirmamos nosso compromisso com a luta para assegurar às comunidades do campo o direito à educação escolar de qualidade, crítica e criativa, comprometida com a formação intelectual, técnica, política, cultural e humana das pessoas, tendo como perspectiva colaborar no empoderamento local das comunidades e contribuir para a conquista de condições de vida digna e de direitos de cidadania aos povos do campo. Afirmamos, também, reconhecer as juventudes camponesas como sujeitos fundamentais da formulação de demandas às políticas públicas educacionais e outros direitos de cidadania, bem como, assumimos o compromisso de contribuir para a afirmação da juventude como uma categoria político-social. Também reconhecemos o campo da Educação do Campo no sul e sudeste do Pará caracterizado pelas conflitualidades marcadas pelas contradições dos modelos de desenvolvimento e de sociedade, num cenário de luta camponesa pela sua territorialização sociocultural e econômica e de enfrentamento aos grandes projetos do capitalismo agrário e mineral. Por isso, compreendemos que a realidade da juventude do campo no Sul e Sudeste do Pará apresenta demandas e desafios às políticas públicas que são mais que necessidades de escolarização, e apresentam necessidades de materialização de uma nova escola do campo, que integre estudo, pesquisa, vivência e trabalho; de uma política de reforma agrária, no sentido amplo, que assegure acesso a terra, a educação e demais direitos de cidadania; da construção de uma nova matriz técnico-produtiva agroecológica dos assentamentos e comunidades rurais, por meio de uma política de assessoria técnica, crédito e formação profissional comprometida com a sustentabilidade camponesa e na afirmação dialógica das territorialidades culturais do campo. Assim, nesta perspectiva de articular juventude e educação do campo, bem como, educação à luta por uma sociedade justa, igualitária e ecologicamente sustentável, propomos: i) estimular o protagonismo juvenil na luta pelos direitos de cidadania e nos espaços coletivos da educação do campo; ii) apoiar as lutas por políticas públicas das juventudes do campo nas suas várias demandas, considerando as possibilidades de multiterritorialidade dos projetos de vida, as várias dimensões e necessidades de escolarização e profissionalização, bem como as diferenças e desigualdades que os/as caracterizam; iii) estimular entre os sujeitos envolvidos na educação do campo o debate sobre o projeto de desenvolvimento regional, especialmente o enfrentamento aos projetos de monoculturas do agronegócio e de mineração, na perspectiva de denunciar as contradições presentes em tais projetos, especialmente a atuação pela desterritorialização camponesa na região;  iv) reivindicar condições para o fortalecimento da agricultura familiar e camponesa que assegure sua integração e participação em um projeto de desenvolvimento regional democrático, socialmente justo, economicamente viável e ecologicamente sustentável; v) repudiar e denunciar as tentativas de criminalização dos movimentos sociais do campo, seja por autoridades e organismos dos governos ou instituições da sociedade civil, como a imprensa; vi) apoiar a luta pela criação, fortalecimento e autonomia das Instituições Federais de Ensino Superior na região, como a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e o Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia, de modo a garantir que seus Projetos de Desenvolvimento Institucional afirmem universidades comprometidas com o desenvolvimento social e sustentável na região, preocupados, em especial, com a melhoria da qualidade de vida dos setores populares; vii) lutar para que as universidades reavaliem e reorientem os projetos curriculares dos cursos superiores, considerando a diversidade das realidades e demandas de formação dos jovens do campo; viii) propor formas de aproximar, articular e integrar ações de educação do campo escolar e ações de assessoria técnica, social e ambiental [ATES], também reconhecida como atividade de educação do campo; ix) sensibilizar e cobrar dos gestores públicos a participação nas discussões sobre educação do campo e o cumprimento do dever do Estado com uma política de educação do campo; x) contribuir para fortalecer a rede de educação do campo na região, através do Fórum Regional de Educação do Campo, como instrumento político de luta por uma política de educação do campo e como espaço de construção coletiva de propostas pedagógicas e curriculares;  xi) apoiar o fortalecimento das iniciativas e experiências de educação do campo realizadas através dos movimentos sociais, como as Casas Familiares Rurais (CFRs), a Escola Família Agrícola de Marabá (EFA) e o Movimento dos Sem Terra (MST); xii) fortalecer o debate e realizar sistematizações de experiências da Pedagogia da Alternância e do movimento curricular da Alternância Pedagógica na região; xiii) defender junto ao Estado e Municípios a participação dos jovens do campo na gestão das escolas, através dos conselhos escolares e da construção e implementação dos Projetos Políticos Pedagógicos; xiv) defender a escola como espaço de produção cultural da juventude e apoiar as iniciativas dos jovens do campo para transformar a escola, através da inserção de novas práticas culturais-educativas; xv) reivindicar junto às políticas públicas a não determinação etária da juventude, como ocorre, por exemplo, no ProJovem Campo – Saberes da Terra; xvi) defender nas experiências de educação do campo e nas políticas públicas do campo a centralidade da família na construção sociohistórica e territorial do campesinato, mas considerando e valorizando sua diversidade, inclusive, seus recortes de gênero, geração e etnia; xvii) cobrar do INCRA a revisão das práticas contraditórias que excluem do quadro de beneficiários da reforma agrária camponeses/as que se profissionalizaram através dos cursos do PRONERA e exercem suas atividades profissionais nos assentamentos e comunidades como funcionários públicos concursados; xviii) reivindicar políticas públicas de comunicação e informação da juventude camponesa para dar visibilidade às suas realidades e valorizar suas identidades, bem como, contribuir com políticas de prevenção em saúde, dentre outras; xix) reivindicar e propor aos governos e instituições de ensino programas de formação inicial e continuada de educadores do campo; xx) denunciar a estrutura de funcionamento e o modelo curricular do Sistema Modular de Ensino (SOME) implementado pela SEDUC no ensino médio e reivindicar a imediata superação desse modelo, porque essa proposta não serve e não contempla as necessidades dos povos do campo, além disso, está permeado por inúmeros problemas, caracterizando uma completa desestruturação político-pedagógica (baixa qualidade e descontextualização do ensino; rotatividade e externalidade da equipe de professores;  problemas de gestão do programa; professores que não se predispõem a conhecer a realidade e nem adotar a pesquisa como prática educativa, dentre tantos outros problemas); xxi) cobrar da Secretaria Estadual de Educação a implementação de uma política de ensino médio do campo, com qualidade, abrindo-se ao diálogo e respeitando a centralidade dos sujeitos do campo na construção dos projetos pedagógicos, bem como viabilizando cursos integrados com a profissionalização; xxii) apoiar as reivindicações dos Centros Familiares por Alternâncias, especificamente as CFRs e as EFAs do sul e sudeste do Pará, nas suas negociações e lutas junto ao Estado para garantir formas de financiamento e a efetivação dos termos de compromisso assumidos pelo Governo, através da SEDUC, especialmente a regularidade de repasse dos recursos; xxiii) apoiar e articular redes de diálogo e troca de experiências entre os Centros de Familiares de Formação por Alternância (as Casas Familiares Rurais e as Escolas Famílias Agrícolas) para que se fortaleçam essas experiências de educação do campo a partir da Pedagogia da Alternância e do Currículo Integrado; xxiv) defender a necessidade da ATES deixar de ser um serviço viabilizado por meio de contratos/convênios temporários e que se transforme numa política pública contínua que permita elaborar projetos que levem em consideração o lote das famílias como um todo, as comunidades e que permitam acompanhar os resultados; xxv) defender e cobrar das Prestadoras de ATES e da EMATER que suas ações contribuam para a sustentabilidade camponesa nas dimensões ambientais, sociais, econômicas e culturais e que não reduzam as atividades de assessoria técnica a enfoques tecnicistas que poderão contribuir para reproduzir condições que inviabilizam a territorialização camponesa na região; xxvi) defender que as Prestadores de ATES e a EMATER incentive e mobilize a participação dos jovens nas suas atividades e que também procure desenvolver atividades articuladas e em parceria com as escolas do campo; xxvii) cobrar das instâncias governamentais (executivo, legislativo e judiciário) e lutar pela defesa do Pronera como um programa prioritário na pauta do governo federal e que seus recursos orçamentários sejam garantidos, bem como a qualidade dos projetos de Educação de Campo; xxviii) repudiar e denunciar iniciativas que tentam deslegitimar e inviabilizar o Pronera, pois reconhecemos que esse programa nasceu da reivindicação dos movimentos sociais e contribuiu, nestes últimos 10 anos, para a consolidação das experiências e do movimento de Educação do Campo na região;  xxix) defender a universalização da educação pública e de qualidade para os povos do campo e da cidade no sul e sudeste do Pará, em todos os níveis de ensino; xxx) cobrar do Governo do Estado, através dos seus órgãos, a participação nos eventos e discussões da educação do campo, em especial com representantes que tenham poder decisório;  Por fim, nós, participantes da 4ª Conferência, aprovamos a composição da coordenação colegiada do Fórum de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará, com o compromisso de buscar a articulação junto ao Fórum Estadual e Movimento Nacional de Educação do Campo, de organizar e participar de momentos de discussão sistemáticas a partir das pautas construídas na articulação das discussões realizadas nos eventos municipais e micro-regionais e de lutar conjuntamente pela implementação e fiscalização da política de educação do campo na região.
Assinam este documento: Representantes: MST, FETAGRI/Sudeste do Pará, STTRs de Pau Darco, Conceição do Araguaia, Rondon do Pará, Xinguara, Redenção; Escola Família Agrícola de Marabá;Casas Familiares Rurais (CFRs) de Tucuruí, Conceição do Araguaia,Tucumã, São Felix do Xingu, Santa Maria das Barreiras; COPSERVIÇOS; EMATER  de Marabá, São Felix do Xingu, Curionópolis e Rondon do Pará; INCRA SR27; CPT  de Xinguara, Tucuruí, Tucumã e Conceição do Araguaia; SINTEPP/Rio Maria; UFPA/Campus de Marabá; Campus Rural de Marabá/IFPA; Secretarias Municipais de Educação de Marabá, Xinguara, Parauapebas, Rio Maria, Conceição do Araguaia, Nova Ipixuna, São Geraldo do Araguaia e Itupiranga; Instituto de Ação Legal/Marabá; Projeto Casulo/Xinguara; CEPASP/Marabá.

18 dezembro, 2009

TRABALHO INFANTO-JUVENIL: A retroação na história da organização social do trabalho

Maria Aparecida Cecílio
Doutora em Educação; Depto de Teoria e Prática da Educação – Universidade Estadual de Maringá (UEM); Programa de Pós-Graduação de Educação da UEM; Grupo de Estudos e Pesquisas e Políticas e Gestão Educacional (GEPPGE-UEM).
OBSERVAÇÃO:
Artigo publicado na Revista COMUNICAÇÕES, da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP/SP, Ano 6, número 2, novembro 99, pp. 170 a 180 – ISSN 0104-8481.

O objetivo deste artigo é iniciar um estudo a respeito da utilização da mão-de-obra infanto-juvenil no campo. Para buscar entender essa prática, é preciso lembrar que a saída do homem do campo para as cidades foi motivada, em grande parte, pelo processo de industrialização das cidades.
A história da organização social do trabalho nos mostra que o processo de industrialização mundial agregou grande população infanto-juvenil oriunda do campo como mão-de-obra lucrativa em diferentes partes do mundo capitalista em nome da produção.
Para analisar esta questão como início de estudo, observamos que Marx ao buscar rumos para a “Crítica da economia política”, se orienta pela idéia de concreto como sinal de unidade do diverso para a realização sintética, porém reflexiva de uma sistemática de pensamento. Constatamos que essa busca levou-o a algumas generalizações que facilitaram a construção de parâmetros de análise vinculados à prática social da produção como algo concreto e abstrato ao mesmo tempo. Concreto porque pressupõe a determinação de relações, e abstrato porque possibilita ao pensamento apropriar-se do concreto para representá-lo.
Tais observações nos ajudam a caminhar na busca de rumos para nossa análise pressupondo que a realidade do final do século XX tem como problema histórico que buscamos entender, a concentração de famílias recusadas pelas empresas urbanas que servem aos interesses de produção das agroindústrias fornecendo mão-de-obra de crianças e adolescentes.
O fato de a criança e o adolescente não contarem com organização jurídica de defesa de sua cidadania com poder de fazer valer esse direito humano favoreceu o desenvolvimento da exploração do capitalismo rural sobre essa população.
O setor rural, como é o caso do Brasil, com a instalação das agroindústrias exportadoras, tornou-se campo de concentração da agregação de crianças e adolescentes nas frentes de trabalho penoso longe das vistas da população politicamente ativa. Esse fato é de relevância para a compreensão da retroação como categoria de análise das ciências cognitivas uma vez que pretendemos situar nossa argumentação no trabalho infanto-juvenil do setor rural do espaço geográfico brasileiro contemporâneo.
A utilização da mão-de-obra infanto-juvenil, tanto no campo como na cidade, contribui para a extinção de gerações sadias físicas e mentalmente. Essa prática nada mais é do que a comprovação da falta de inteligência humana presente na organização dessa forma de captura de capital financeiro desvinculado do compromisso de garantir a vida digna ao trabalhador.
No ano de 1995, a UNICEF publicou relatório sobre a Situação Mundial da Infância que resultou do Encontro Mundial de Cúpula pela criança no ano de 1990. Vejamos uma conclusão mais generalizada divulgada pela UNICEF (1994):
Uma subclasse está, portanto, sendo criada, sub-educada e sem instrução, colocando-se abaixo dos piores níveis de progresso econômico e social, vítima da pobreza do passado, de salários reais decrescentes, e dos desgastes das redes de segurança social na década de 80.
Ao lado das tragédias mais visíveis de conflitos violentos ou de catástrofes súbitas, este processo mais sutil de marginalização econômica também está afetando muitos milhões de crianças no mundo de 1994, aumentando a probabilidade destas crianças não conseguirem desenvolver seu potencial físico e mental, não conseguirem completar a escola, não conseguirem encontrar trabalho, e não conseguirem tornar-se adultos bem adaptados, economicamente produtivos e socialmente responsáveis. (UNICEF, p. 3, 1995).

No Brasil o processo de agregação de mão-de-obra infanto-juvenil tem na agroindústria exportadora uma verdadeira fábrica de analfabetos, de seres fisicamente debilitados. Levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo constatou que, enquanto o adolescente trabalhador pesa em média 34 quilos, o que apenas estuda tem 49 quilos. Os trabalhadores também são 13 centímetros mais baios, tem o braço 4 centímetros mais fino e o pescoço 2 centímetros mais fino. (CARVALHO, 23/11/96, p. 37)
Essa realidade não é segredo para o mundo. No ano de 1997, a primeira dama Ruth Cardoso, participando em Oslo, Noruega, da Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil, vivenciou a situação de estar representando o Brasil como um dos grandes exploradores da mão-de-obra infanto-juvenil como é o caso da Guatemala, Tailândia, Paquistão e Índia.
Os dados expostos pela primeira dama foram publicados na Revista Veja nº 44 de 5/11/97 por Bruno Paes Manso. A publicação traz a confirmação da estimativa governamental sobre os dados apresentados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número estimado de crianças e adolescente nas frentes de trabalho manejando enxada e carregando tijolos é de 5 milhões, sem contar outras formas de exploração. A estatística apresenta um balanço de como esta situação se configura. Dos 5 milhões entre 5 e 14 anos de idade, meio milhão tem idade abaixo de 10 anos.
O discurso da primeira dama revelou que no ano de 97, 30 mil crianças foram retiradas do mercado informal de trabalho. Nos cálculos de Manso, para que os 5 milhões passem pelo mesmo processo, no ritmo dos programas do governo, serão necessários 170 anos. Um outro dado relevante apresentado pelo IBGE, segundo Manso, é de que além das crianças e adolescentes que já trabalham, 1 milhão estão em busca de emprego por falta de recursos das famílias.
Essa realidade catastrófica pode ser analisada de forma mais regionalizada para que possamos nos aprofundar em questões específicas em relação à exploração do trabalho infanto-juvenil no Brasil. É com esse objetivo que nos colocamos a tratar do trabalho infanto-juvenil como retroação histórica a partir de uma reflexão regionalizada.
Tomaremos a região Norte/Noroeste do Estado do Paraná, como base geográfica representativa no cenário nacional da indústria de agroexportação sustentada pela monocultura da cana.
O Estado do Paraná é grande produtor agrícola. A monocultura avança dia-a-dia seus campos de cultivo tornando a vida do homem rural quase inexistente. O principal cultivo é o da cana de açúcar para a produção de álcool. Essa cultura exige contingente elevado de mão-de-obra. A população trabalhadora produtiva envolvida no manejo do facão durante o corte da cana, historicamente, tem se constituído de adultos descartados pelo setor urbano da economia juntamente com seus filhos (crianças e adolescentes).
Esta constatação é resultado dos trabalhos realizados pela “CPI do Bóia-Fria” (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. No ano de 1993, enquanto a cúpula mundial pela criança concluía que mundialmente se está produzindo uma população incapacitada de desenvolver suas potencialidades físicas e mentais, no Estado do Paraná, a CPI concluía seu relatório identificando a população infanto-juvenil explorada no meio rural.
Os relatos contidos no documento registram a presença de crianças trabalhando no meio rural ainda de chupeta. Chamou-nos atenção esse fato por entender que os prejuízos de uma nação que permite essa prática de exploração das futuras gerações são evidências de que sua economia prevalece orientada pela obtenção do lucro a qualquer preço.
No dia 25 de setembro de 1997, em Hong Kong, James Wolfenson, presidente do Bird (Banco Internacional de Desenvolvimento), ao falar na assembléia anual do Banco Mundial afirmava que “o lucro a qualquer preço não é mais o padrão do capitalismo internacional, embora esta visão ainda resista nos países do Terceiro Mundo”. (Folha de Londrina, editorial, 26/9/97)
A conduta de pagar qualquer preço para produzir lucro vem sendo discutida mundialmente diante das determinações capitalistas em relação ao trabalho infanto-juvenil. As constatações dos organismos supranacionais esclarecem a preocupação do capital internacional com a previsão do que podemos estar produzindo para o século XXI em termos de mão-de-obra produtiva. Podemos observar o manifesto contido no relatório de 1995 publicado pela UNICEF por entender que a criança está no centro da problemática do futuro da humanidade:
O UNICEF acredita que é chegado o momento de colocar as necessidades e os direitos da criança como ponto central nas estratégias de desenvolvimento.
Este argumento não se baseia nem em interesses institucionais particulares, nem em sentimentalismo com relação aos mais jovens; está baseado no fato de que a infância é o período no qual mentes e corpos e personalidades estão sendo formados, e durante o qual privações, ainda que temporárias, podem infligir prejuízos e distorções no desenvolvimento humano que serão sentidos por toda a vida. [...] o mundo não poderá resolver seus principais problemas enquanto não aprender a desempenhar-se melhor na tarefa de proteger e investir no desenvolvimento físico, mental e emocional de suas crianças. (UNICEF, 1995, p. 9).


A visão redentora implícita nas publicações da UNICEF em relação a criança como futuro da humanidade nos faz pensar no desdobramento das políticas nacionais e supranacionais diante da hipótese de que qualquer estratégia que se queira implementar em prol da criança estará fortemente fundamentada na preocupação com a falta de mão-de-obra, dentro de curto espaço de tempo, para sustentação do setor primário da economia mundial.
Se em 1995, a preocupação mundial com a criança e o adolescente é tomada como sendo um fator prioritário de desenvolvimento das nações, e se essa preocupação está intimamente relacionada com a formação física, mental e emocional dos seres humanos, isto se transforma, para uma reflexão didática, em questionamentos. Como podemos entender a prática de desrespeito a essa população a partir de informações regionalizadas?
Podemos partir da constatação jurídica legal no Brasil que nos diz que o corte da cana é trabalho penoso – aquele que desgasta o físico e provoca envelhecimento precoce – e que por lei é proibido para menores de 18 anos devido a série de males que causa à saúde. Waki, médico da Universidade de São Paulo, conforme publicação da Revista Veja, p. 36 de 23/10/96, diz que o trabalho na cana aumenta os riscos de doenças como mocardite, hipertensão arterial, arteriosclerose, enfisema pulmonar e afecções do aparelho reprodutor.
A outra questão a ser abordada é a fome endêmica compreendida como problema alimentar derivado das relações de dominação herdadas do colonialismo.
ABRAMOVAY (1996: 94), ao estudar a atualidade de Josué de Castro e a Situação alimentar Mundial, escreve que:
A gravidade do problema alimentar no meio rural é uma das mais veementes condenações do próprio modelo de desenvolvimento agrícola implantado na maior parte dos países do Terceiro Mundo que, muitas vezes, estimulou o aumento das safras, mas eliminou ou marginalizou do cenário as regiões e as populações que não podiam ter acesso às tecnologias em que se baseou a Revolução Verde.

O aumento das safras pela monocultura e o emprego de tecnologia pelos latifúndios, são as principais questões a serem entendidas. O cultivo da cana no norte/noroeste do Estado do Paraná tem sido sinônimo de empobrecimento da população trabalhadora, e da terra da região. Com a expansão das plantações de cana, ocorre substancial diminuição da produção de alimentos necessários à subsistência local em quantidade e qualidade/diversidade.
Outra informação a ser considerada como argumentação para o entendimento da fome endêmica na região é o uso de tecnologias avançadas em outros cultivos o que restringe a ocupação de trabalhadores braçais nas frentes de trabalho para o corte da cana. Essa atividade é temporária/intensa[1] e por produtividade, ou seja, o trabalhador recebe pela quantidade produzida e pela qualidade da cana colhida. Nas frentes de trabalho, conforme “CPI do Bóia-Fria” (1993), encontramos crianças e adolescentes.
Se o trabalho penoso, como já registramos, causa problemas à saúde do trabalhador adulto, o que seria possível analisar no caso de crianças e adolescentes?
Insistimos na reflexão sobre os prejuízos para vida destes seres em formação. Será possível avaliar o desgaste mental e emocional destes seres com a mesma precisão da avaliação física?
A deficiência alimentar aliada ao trabalho penoso, certamente, poderá justificar a maior parte dos problemas de saúde que estas pessoas manifestarão durante suas vidas. As conseqüências destes problemas infelizmente são observados pelos organismos internacionais apenas como prováveis perdas no contingente de mão-de-obra para o século XXI.
Sinaceur, da divisão de Filosofia da UNESCO, nos lembra a célebre advertência de Rousseau: “não conhecemos a infância e com nossas falsas idéias sobre a infância, quanto mais longe vamos, mais nos perdemos.” E salienta:
Não basta ter consciência de que os que rodeiam a criança desempenham papel importante em seu desenvolvimento e de que a criança é um pólo de expectativas e projetos mesmo antes de nascer. O mais importante é saber como essas expectativas e projetos repercutem na criança e até que ponto a predeterminam. (CORREIO DA UNESCO, 1978, p. 30).

Ao salientar que as crianças são seres predeterminados, nos damos conta de que as crianças e os adolescentes que trabalham na zona rural são influenciados pela organização do trabalho no setor agrícola e que os envolvidos com esse meio de produção desempenham importante papel na vida da criança e do adolescente e na conceituação de criança e adolescente.
O trabalho infanto-juvenil cria um novo conceito de criança e de adolescente. O conceito generalizado de infância e adolescência está distante dessa realidade. A linguagem, a resistência física, o autocontrole, a relação com os adultos, o compromisso com o trabalho, a competência para produzir a própria subsistência são evidências de uma nova concepção de formação humana.
Apesar das evidências, o que a nosso ver caracteriza de forma generalizada o novo conceito, é a idéia de produtividade. Para o setor explorador, fica delineado o conceito de homem-máquina durável de produzir para criança/adolescente-máquina descartável de produzir.
O principal argumento de confirmação para essa tese seria o não investimento na formação escolar da população trabalhadora na zona rural. A cultura da cana não permite que os trabalhadores residam no campo. Por esse motivo habitam as periferias das cidades. Considerando o desgaste físico e mental diário, pressupomos que as dificuldades em acompanhar os estudos do ensino regular tornam-se uma tarefa dolorosa e improdutiva.
Se um ser em fase de desenvolvimento físico-mental e emocional é tratado como uma coisa que não precisa de condições para estudar, para brincar, para conviver com a família, para realizar refeições equilibradas, para dormir, então não é tratado como humano. Ao contrário, é concebido como máquina. Mais que isso, é tratado como máquina descartável que ao apresentar qualquer problema pode ser substituída. É assim que temos analisado a conduta do explorador que modela essa criança-máquina, esse adolescente-máquina.
Consultando dados oficiais da UNESCO e da UNICEF entre outros organismos, encontramos tabelas demonstrativas de taxas de crescimento da população mundial com previsão até para o ano 2050. A leitura dos dados indica que há preocupação destes organismos em combater o trabalho infanto-juvenil por entenderem que as estimativas são de brusca diminuição da população mundial.
Essa diminuição é estatisticamente prevista nos países considerados em desenvolvimento e nos considerados menos avançados. Até o ano 2025 os índices demonstram 50% de diminuição da população. A diminuição vem sendo interpretada como previsível falta de trabalhadores devidamente adequados para os setores essenciais de produção.
Considerando o pensamento de Rousseau – em Sinaceur – nossas reflexões se voltam mais uma vez para o que entendemos ser primordial discutir: Como conceber a criança e o adolescente que tem sua consciência desconsiderada e sua identidade negada sob o conceito de máquina descartável de produzir? A aproximação de um conceito real pressupõe pensar a relação homem-máquina.
Buscaremos demonstrar alguns parâmetros para pensar a relação homem-máquina considerando a organização social do trabalho a base da argumentação. Deste modo podemos combinar as observações relacionadas a seguir como um guia para nossas posteriores reflexões.
Em se tratando do trabalho infanto-juvenil na zona rural, consideraremos o trabalho de corte da cana em terreno inclinado uma situação de análise na qual o homem e a máquina têm função de trabalho. Os parâmetros levantados são os abaixo relacionados:

Na situação exemplificada tanto o homem como a máquina podem cortar cana, mas somente o homem pode hoje cortar cana em terreno inclinado e amanhã em terreno plano com produção equivalente. Não existe um homem que corta cana somente em terreno inclinado e um que corta cana em terreno plano. A máquina necessita de adaptações mecânicas para realização de um mesmo tipo de trabalho em terrenos inclinados e planos.
Como podemos pensar a criança e o adolescente-máquina? É possível atribuir ao homem as características de uma máquina? Atribuir à máquina características humanas é um sonho pelo qual cientistas do mundo contemporâneo trabalham incessantemente com o reconhecimento da humanidade por demonstrarem as possibilidades de criação do homem. Mas como podemos avaliar aqueles que não são cientistas e insistem em atribuir ao homem função de máquina descartável de produzir?
Pensar o homem-máquina pressupõe negar a existência da emoção, da consciência, do pensamento, da reflexão, da organização. Significa desqualificar o homem enquanto ser humano, enquanto ser que pensa, que transmite seus pensamentos com linguagem própria, que evolui fisicamente, mentalmente e emocionalmente. Pensar este homem é pensar um ser sem possibilidades, um ser treinável e produtivo por um determinado tempo.
É a identificação dessa inversão de valores que nos ajudam a compreender a conduta dos que se utilizam desse conceito de homem. Como já registramos neste artigo, o número de seres humanos economicamente determinados como mão-de-obra produtiva e descartável no Brasil continua desconhecido. No Estado do Paraná a situação não é diferente, no entanto, podemos retomar a idéia de trabalhar o problema regionalizado para pontuar questões que podem ser generalizadas.
Primeiro vamos relacionar algumas práticas que nos mostram ações daqueles que se utilizam do homem-máquina infanto-juvenil conforme registro da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná no ano de 1993:

VALE DO IVAÍ EM 12/08/93[2]
Município de Faxinal: A CPI flagrou durante a madrugada, adolescente de 15 anos dirigindo trator que puxava carreta carregada de bóias-frias;
Município de Lunardelli: 7.500 habitantes. Destes, a cada 10 examinados, 6 eram portadores do bacilo da tuberculose e, dos eleitores, 66% eram analfabetos;
Municípios de São Pedro do Ivaí e São João do Ivaí: muitas crianças estão trabalhando na lavoura, outras se prostituindo e há alta incidência de gravidez na adolescência e há elevado índice de analfabetismo. Grande número de acidentes com veículos que transportam os bóias-frias.

REGIÃO NOROESTE EM 13/08/93[3]
Municípios de Paranavaí e Amaporã: A CPI encontra muitos caminhões transportando bóias-frias, entre eles dezenas de crianças. A comissão registra a seguinte frase dos trabalhadores: “aqui vai de mamando a caducando”.
Município de Querência do Norte: 10.400 habitantes, 6.200 bóias-frias (homens-mulheres-crianças);
Santa Cruz do Monte Castelo: 10.500 habitantes, todos bóias-frias.
A relatora da Comissão[4] registra o seguinte parecer: “Dessa conveniente simbiose nasce e floresce uma indústria de desrespeito à dignidade humana e aos valores sociais do trabalho.”
Em todo o documento é possível levantar práticas inaceitáveis ocorrendo, como transporte inseguro, concessão de alvará para emissão de carteira de trabalho de menores de 14 anos, compra de sindicalistas, trabalho escravo de crianças e adolescentes, entre outras. São as atitudes de desrespeito à vida humana que fundamentam a determinação do conceito de criança e adolescente específico do meio rural dedicado à monocultura da cana.
Conceber este ser como máquina, a nosso entender, extrapola o conceito de trabalhador escravo. O escravo podia sonhar com a fuga, com a compra da liberdade. O trabalhador concebido como máquina encontra-se sem possibilidade de sonhar com a fuga, muito menos de sonhar com a compra da liberdade de trabalho. Facilmente substituível. Sua falência não representa perda para essa forma de organização do trabalho.
O escravo tinha que ser comprado e, seu valor de venda devia ser conservado, isso determinava o lucro do proprietário. O “homem máquina” não precisa ser comprado, não precisa ser mantido em boas condições físicas e mentais e representa lucro garantido. A vida humana perde aí seu significado. É isso que transforma o homem em máquina. Máquina, porque pode ser manipulado para o trabalho através de regras de produção.
O “homem máquina” não precisa de segurança. Se morrer em acidente de transporte para o trabalho pode ser facilmente substituído e sem prejuízos. Não precisa de escola, não precisa pensar, não precisa ler e escrever, não tem que se comunicar, não lhe resta tempo para isso. Não há possibilidade de evoluir intelectual nem fisicamente.
Máquina também não precisa de alimentação e nem de atendimento à saúde, afinal máquina não adoece e quando quebra ou entra em falência é reposta. Como máquina não se organiza socialmente, então não precisa de sindicato. Como o uso da máquina independe de sua idade desde que seja produtiva e não cause problema, porque não pensar na utilização do trabalho da “máquina criança e adolescente”, portanto nova, em construção, passível de ser remodelada, tornada mais eficaz, mais rápida, mais precisa, mais produtiva do que é no estágio inicial de seu desempenho no trabalho.
Se assim o for não importará seu tempo de vida útil. Importará sua capacidade de produção, sua operacionalidade, sua reprodução em massa para a garantia da continuidade do sistema de produção lucrativo. Essa é a lógica do pensamento que podemos ler na realidade brasileira como justificativa econômica da prática social da utilização do trabalho infanto-juvenil de caráter penoso.
A retroalimentação desse sistema de exploração de mão-de-obra é possibilitada na medida da manutenção social dos meios de reprodução do conceito de homem máquina como sinônimo de desenvolvimento econômico.
Enquanto a criança e o adolescente continuarem sem possibilidade de desenvolvimento físico, mental, emocional e organizativo, não poderemos deixar de procurar entender os pensamentos que justificam a prática do homem que provoca a extinção de sua própria espécie. Será ele um ser humano? Será que ele possui inteligência humana? Que tipo de mente possui este homem?
Estas são as questões que acreditamos ainda merecerem atenção para a continuidade de nossa reflexão em momentos futuros. Mas como o objetivo deste artigo foi iniciar o estudo da lógica que sustenta a exploração do trabalho infanto-juvenil para dizer que esta prática, em nosso entender, significa a retroação da organização social do trabalho, acreditamos ter construído argumentos para atingir esse objetivo. As questões finais deixaremos como compromisso de retomar a reflexão em momento oportuno.

BIBLIOGRAFIA
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10. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Ed. Bertran do Brasil, 1996.
11. SEARLE, John R. A redescoberta da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
12. SINACEUR, Mohammed A. e Jean-Jacques Rousseau. Que a infância amadureça na criança. Correio da UNESCO. Fundação Getúlio Vargas, ano 6, nº 7, 1978.
13. SOARES, Adriana. O que são ciências cognitivas. São Paulo: Brasiliense, Primeiros Passos, 1993.
14. UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância. Relatório da reunião de 1990 da Cúpula Mundial pela Infância. Situação Mundial da Infância. São Paulo: UNICEF de Brasília, 1995.


NOTAS DE RODAPÉ
[1] Entende-se por atividade “temporária/intensa” o corte da cana em período de colheita da safra. “temporária” por compreender alguns meses de trabalho durante a safra. “Intensa” por ser desenvolvida em longa jornada de trabalho diário.
[2] Maiores informações podem ser encontradas no relatório final da CPI do Bóia-fria/93 – Assembléia Legislativa do Estado do Paraná – nas páginas 5 e 6.
[3] Idem
[4] Deputada Estadual Emília Belinati.